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Agora é a vez do Rio de Janeiro receber a turnê em comemoração aos 40 anos do Grupo Corpo

grupo corpo Danca Sinfonica_by Jose Luiz Pederneiras_2

Depois de passar por Belo Horizonte e São Paulo, é a vez do Rio de Janeiro receber a turnê em comemoração aos 40 anos do Grupo Corpo, com os balés inéditos DANÇA SINFÔNICA, com música de Marco Antônio Guimarães e coreografia de Rodrigo Pederneiras e SUÍTE BRANCA, com música assinada por de Samuel Rosa e coreografia de Cassi Abranches, de 3 a 7 de setembro no Theatro Municipal.

Quando os primeiros acordes índigo‐blues da guitarra de Samuel Rosa e a silhueta sinuosa de uma bailarina riscam o ar, um quê de mistério insinua‐se na cena. Logo, a aridez de uma paisagem estranhamente branca sublinha o clima enigmático.

Vestidos de branco do princípio ao fim do balé, movimentando‐se sobre um linóleo láteo, e tendo ao fundo um painel, que pouco a pouco revela as saliências e reentrâncias de uma estrutura que sugere uma geleira gigantesca, os 21 bailarinos do GRUPO CORPO percorrem o engenhoso emaranhado de temas composto por Samuel Rosa para a trilha de Suíte Branca.

Ao longo de 30 minutos, Rosa e seus parceiros de Skank mesclam psicodelia e circo, Jamaica e Minas Gerais, levadas mântricas em compasso de valsa e distorções cáusticas de guitarra, e fazem alusões discretas a bandas legendárias que, nos anos 60 e 70, marcaram a formação musical do quarteto, como os Beatles e o Clube da Esquina.

Entre ondulações de braço e quadril, movimentos pendulares, suspensões e muitas intercorrências de chão, é possível reconhecer, ao longo dos 30 minutos do balé, os traços distintivos do GRUPO CORPO que há tanto tempo habitam o nosso imaginário, ao mesmo tempo em que se percebe a presença de uma inequívoca alteridade.

Concebido como as antigas tabulas rasas romanas ou uma folha de papel em branco, sobre as quais uma nova história começa a ser inscrita, Suíte Branca, o balé de abertura do programa que celebra os 40 anos de atividade do GRUPO CORPO, marca a estreia na companhia, como convidada, da jovem coreógrafa paulista Cassi Abranches. Dona de uma caligrafia própria, Cassi atuou por doze anos como bailarina do CORPO (de 2001 a 2013) e conhece como poucos o potencial e as idiossincrasias de seus antigos colegas de palco.

Depois de colaborar com a São Paulo Companhia de Dança (GEN, de 2015), a Cia Jovem Bolshoi Brasil, de Joinville (Ariana, 2015), a Cia SESC de Dança (Oblivion e Plano, 2015) e o Ballet Jovem Palácio das Artes (Contracapa, 2009), ambos de Belo Horizonte, ao receber a honrosa tarefa de criar Suíte Branca, tornando‐se a segunda criadora a assinar uma coreografia para o CORPO desde que Rodrigo Pederneiras assumiu a residência, em 1981 ela personifica a aposta da companhia mineira de dança em uma nova geração.

Com as cortinas ainda fechadas, o primeiro oboé da Filarmônica de Minas Gerais faz soar o lá padrão utilizado na afinação dos conjuntos sinfônicos. Em seguida, como se a orquestra estivesse no fosso do teatro, as cordas, os metais e as madeiras conferem o tom. Ainda no rastro da nota grave que se demora nas caixas de ressonância do violoncelo e do contrabaixo, uma trompa entoa, solitária, um trecho do Rorate Caeli Desuper. No momento em que as cordas começam a harmonizar, as cortinas se abrem e o canto gregoriano é executado na íntegra por oboés e clarinetas, dando início ao balé.

A harmonização de um canto tradicional da liturgia católica romana que remonta a um tempo onde a música coral religiosa não utilizava harmonia nem contraponto é apenas uma entre as muitas licenças poéticas, citações, superposições, subversões e transcriações que o uakti Marco Antônio Guimarães irá processar ao longo dos 42 minutos da trilha que compôs para Dança Sinfônica.

Discípulo de Walter Smetak e Ernst Widmer (com quem estudou, de 1966 a 1971, nos tempos áureos da Universidade Federal da Bahia | UFBA), violoncelista clássico com 15 anos de atuação em orquestras da envergadura da OSESP (de 1973 a 1977, quando tinha à frente a figura mítica de Eleazar de Carvalho) e da Sinfônica de Minas Gerais, e autor da música original de balés que entrariam para a galeria dos clássicos do repertório do CORPO – incluindo 21, de 1992, o grande divisor de águas na trajetória artística do grupo –, Guimarães trama em sofisticada tapeçaria desde uma grande valsa, para Strauss nenhum botar defeito, até reminiscências de temas folclóricos infantis. Com tratamento notadamente autoral, em meio a um conjunto de peças inéditas, promove o entrecruzamento de prelúdios, árias e adágios de Bach e Vivaldi, reinventa o minimalismo de Philip Glass – com quem divide a autoria da trilha de outro título antológico, Sete ou Oito Peças para um Ballet, de 1994 – e cita, aqui e ali, sempre em releitura, fragmentos de temas especialmente compostos para a companhia mineira de dança.

Urdida com maestria pelo autor da trilha de Bach, a evocação de passagens musicais de balés que deixaram marcas profundas na história recente do CORPO, se encaixou como um puzzle exato no mote central estabelecido por Paulo Pederneiras, diretor artístico do grupo, para nortear a criação da peça sinfônica do programa comemorativo, a ser coreografada por Rodrigo Pederneiras.

Decidido a fazer de Dança Sinfônica uma obra memorialista, Paulo passou meses a fio debruçado na tarefa hercúlea de levantar os acervos fotográficos particulares de rigorosamente todas as pessoas que passaram pela história ou exerceram algum tipo de influência sobre a trajetória do GRUPO CORPO ao longo desses 40 anos e puderam ser localizadas – de bailarinos e maîtres de ballet a técnicos e camareiros. De alguns milhares de flagrantes fotográficos – informais e, em sua imensa maioria, amadores – coletados por ele, nada menos que 1080 (um mil e oitenta) compõem o painel cenográfico de 8m x 6m que ambienta o espetáculo. Realçado por um back light, ele forma um imenso relicário do percurso da companhia. Só que sob uma ótica trivial, cotidiana, jamais revelada ao grande público.

Em contraponto com o caráter mundano das situações ali representadas, cortinas e collants de veludo revestem as pernas do teatro e vestem as bailarinas, conferindo um certo ar de solenidade à apresentação.

Primeira obra sinfônica encenada pelo GRUPO CORPO desde Variações Enigma, de Edward Elgar, de 1991, o conjunto temas escritos por Marco Antônio Guimarães para a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, com a participação pontual do grupo Uakti, leva Rodrigo Pederneiras a revisitar as melhores notações de todo um vocabulário de movimentos que havia deixado para trás, e a processar, com a bagagem acumulada em décadas de exercício de desprendimento da forma, uma espécie de síntese de uma escritura construída ao longo de 34 anos de residência como coreógrafo da companhia.

A presença de temas de um lirismo transbordante e a diluição sutil e bem dosada de referências a personagens e passagens que, dentro ou fora da cena, marcaram a trajetória do CORPO ajudam a emprestar à reconstituição uma alta voltagem emocional. Que atinge seu clímax no extenso e primoroso pas‐de‐deux em espiral, reputado por seu criador entre os melhores a que deu vida até hoje.

E assim, abrindo espaço para a expressão do talento de uma coreógrafa de uma nova geração, numa clara demonstração de que tem os olhos bem voltados para o futuro, e descrevendo, ao mesmo tempo, um arco para trás que contempla o passado através de uma pungente releitura cênica de seu percurso, o GRUPO CORPO cumpre o ciclo de 40 anos de uma existência pra lá de bem vivida e acena com a perspectiva de novos rumos.

Texto: Angela de Almeida

FICHA TÉCNICA

Suíte Branca
Coreografia: Cassi Abranches
Música: Samuel Rosa
Iluminação: Paulo Pederneiras e Gabriel Pederneiras
Cenografia: Paulo Pederneiras
Figurino: Freusa Zechmeister
Duração: 30 minutos

Dança Sinfônica
Coreografia: Rodrigo Pederneiras
Música: Marco Antônio Guimarães
Iluminação: Paulo Pederneiras e Gabriel Pederneiras
Cenografia: Paulo Pederneiras
Figurino: Freusa Zechmeister
Duração: 42 minutos

SERVIÇO

Suíte Branca | Dança Sinfônica
Grupo Corpo 40 Anos
De 03 a 07 de setembro de 2015
Quinta a sábado e segunda, às 20h, domingo às 17h
Local: Theatro Municipal do Rio de Janeiro
Praça Floriano, s/nº – Centro – Rio de Janeiro/RJ
Ingressos: Frisas e Camarotes R$ 720 | Plateia e Balcão Nobre R$ 120 | Balcão Superior R$ 90 | Galeria R$ 60
Informações: (21) 2332‐9191 | 2332‐9005

Imagem: Cena de Danca Sinfônica – Foto de Jose Luiz Pederneiras/Divulgação